Era 1990. Eu subia as escadas da Escola de Comunicação da UFRJ, vindo da Ilha do Fundão, com minha carta de apresentação à direção da escola. As professoras Heloísa Buarque de Hollanda[1] e Beatriz Resende desciam as escadas no mesmo momento. Ali seria o meu primeiro contato com a Helô. Ao cumprimentar Beatriz Resende, ela me apresentou à Helô, que imediatamente me perguntou “O que você vem fazer aqui?” E, depois de minha resposta, ela disse: “Vem trabalhar comigo”. Rindo, eu respondi: “Mas eu acabei de chegar!” A partir daquele momento ela me convidou por cinco anos para trabalhar com ela, até que, em março de 1995, fui procurá-la para dizer que era chegada a hora. Desde então, ela me levou para a Editora UFRJ, onde estou até hoje.
Mas a história de Helô na editora tinha começado em 1990, e eu queria saber tudo o que havia se passado…
Foi em julho daquele ano, após a posse do professor Nelson Maculan Filho como novo reitor da Universidade, que a Editora UFRJ foi realocada do campus da Cidade Universitária (Ilha do Fundão) para o Fórum de Ciência e Cultura (FCC), no campus da Praia Vermelha. Consubstanciava-se, finalmente, o Plano de Reestruturação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1967), segundo o qual a Editora Universitária era órgão integrante do FCC – institucionalizado em 1972.
O professor Luiz Pinguelli Rosa foi designado pelo reitor para a função de coordenador do FCC, e a Helô, da Escola de Comunicação (ECO), para a função de diretora da Editora UFRJ. Essa direção estabeleceu, como projeto e diretriz para a editora, “a consolidação de um canal eficaz para a divulgação da produção científica e de atualização do potencial crítico da UFRJ” (RELATÓRIO, 1994).
Sob Helô e Pinguelli Rosa, novos tempos sopraram para a editora. O Conselho Editorial, antes de natureza meramente representativa, passou a ser composto por profissionais indicados em função da atuação relevante em diferentes áreas do saber.
Essa nova composição seria a expressão do “exercício de uma política editorial mais autônoma, com uma maior transparência no processo de avaliação e seleção dos textos a serem publicados” (RELATÓRIO, p. 2). Alguns nomes de peso que o compuseram: Darcy Fontoura de Almeida, Gerd Bornheim, Gilberto Velho, Giulio Massarani, Wanderley Guilherme dos Santos, José Murilo de Carvalho, Margarida de Souza Neves e Silviano Santiago.
Além do Conselho Editorial, Helô instituiu um Comitê Editorial diverso, formado por professores dos cursos da Escola de Comunicação, Letras, Física e Ciências Sociais, além de uma assessoria com um quadro significativo de consultores ad hoc. Essa estrutura refletiu a preocupação da gestão com a reformulação do perfil da Editora UFRJ, baseado na escolha “de títulos exclusivamente por mérito e qualidade científica das obras a serem publicadas” (RELATÓRIO, p. 6).
A Editora UFRJ passa a estabelecer, após instituição do Conselho e do Comitê Editorial, três critérios para seleção ou indicação para publicação: indicação do Conselho; apresentação ao balcão; e indução ou encomenda. Ênfase para este último, que, graças à criatividade de Helô, deu a lume os livros Papéis colados, de Flora Süssekind, Condomínio do diabo, de Alba Zaluar, e A razão nômade, de Sérgio Paulo Rouanet; além da maior parte dos livros da Série Manual, de muito sucesso.
Helô justifica, no relatório, “como inadiável a oportunidade de ampliar o público consumidor da produção acadêmica, provocar e absorver um feedback precioso entre a Universidade e a sociedade”. É nessa direção que a gestão procura estabelecer “uma linha editorial mais agressiva, ampliar o ‘balcão’ da Editora para além das fronteiras da UFRJ, modernizar sua imagem gráfica e infraestrutura de produção e distribuição”.
Com essa visão estratégica de modernização, Helô trouxe para a Editora funcionários da área de programação visual, vindos da Gráfica da UFRJ — servidores e ex-alunos, com forte comprometimento para tornar realidade a produção de livros na universidade.
Dentro dessa política de modernização da produção editorial, foi criada uma nova logomarca, um projeto de identidade visual e um comportamento gráfico (Figura 1). Também foram desenvolvidas quatro séries de publicações com formatos distintos, e a Editora passou a utilizar largamente tecnologia computacional em sua produção.

A modernização da editora proposta por Helô não se deu somente na questão estética. Foi sob sua direção que a Editora UFRJ passou a agrupar as publicações em quatro séries, a saber: Universidade, Paradigma, Manual e Terceira Margem.
A série Universidade tinha como objetivo “absorver e divulgar de forma ágil o resultado de trabalhos, seminários, congressos e pesquisas em curso na UFRJ”. A série Paradigma tinha foco voltado à publicação de textos de apoio ao ensino graduado, pós-graduado e à prática experimental de laboratório. A série Manual era um desdobramento da série Paradigma, definida em função das características de um produto cuja utilização teria como base uma obra de referência e, portanto, de manuseio frequente, produzindo textos de apoio às práticas de laboratório, ou treinamentos, das diversas áreas de conhecimento. Por fim, a série Terceira Margem refletia “as fronteiras das tendências daquele momento, na reflexão e na pesquisa, na reedição de obras clássicas ou seminais da produção do conhecimento”.
A inauguração de uma livraria comercial — a Livraria Riomarket — nas dependências do Palácio Universitário, em 1992, com contrato de cessão por quatro anos, permitiu à Editora UFRJ o começo de uma parceria para divulgação e distribuição de suas novas publicações.
O ano de 1992 significou uma movimentada agenda para a Editora UFRJ. Com a contratação de serviços de assessoria de imprensa, ampliaram-se a divulgação e a visualização de suas ações, com a organização de lançamentos de livros em encontros acadêmicos e a presença da editora em eventos importantes na cidade do Rio de Janeiro. Entre eles, o considerado de maior destaque, nessa nova fase da editora, foi o Projeto Café Literário Poesia em Pânico (Figura 2), durante a VI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, em agosto de 1993. A editora ocupou um estande de 36m² para organizar, no âmbito da programação oficial da Bienal, a montagem do Café Literário Multimídia, apoiado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros.
No estande, decorado com mobiliário e obras de arte do patrimônio do Palácio Universitário da UFRJ, e com a referência “Poesia em Pânico” em homenagem a Murilo Mendes, foram realizadas discussões, pequenas palestras, encontros e bate-papos com personalidades do mundo literário, como Rachel de Queiroz, Autran Dourado, João Ubaldo Ribeiro, Armando Freitas Filho, Antônio Torres e Afrânio Coutinho. Nessa Bienal, a Editora UFRJ esteve como visitante, e não comercializou seus livros, apenas realizou a divulgação.

A UFRJ e o Fórum de Ciência e Cultura desenvolveram uma parceria com o movimento Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida (AÇÃO, 2021), liderado por Herbert de Souza, o Betinho, e levaram para a Bienal o debate sobre a ética e a cidadania, que “teve grande repercussão entre o público visitante e a imprensa” (UFRJ, 1994a, p. 64). O primeiro volume de cada lançamento da Editora UFRJ ocorrido na Bienal recebeu o autógrafo do autor e o de Betinho, como doação, em projeto denominado Autógrafo Zero (Figura 3). Toda a renda arrecadada pelo leilão dessas obras foi revertida para a Campanha contra a Fome.

Com o novo ciclo de gestão da UFRJ, de 1994 a 1998, assume a reitoria o professor Paulo Alcântara Gomes, da Coppe, e, como vice-reitor, o professor José Henrique Vilhena, do IFCS, mantendo a professora Heloísa Buarque de Hollanda na direção da editora. Na Coordenação do FCC, assume a professora Myriam Dauelsberg, da Escola de Música.
As diretrizes da Editora UFRJ, para esse período, foram redefinidas tendo em vista a reestruturação da política editorial com o compromisso de publicação de livros didáticos voltados à sala de aula; além da aprovação do nome do professor Carlos Lessa, do Instituto de Economia, para a renovação do Conselho Editorial, que passa a ser composto por Fernando Lobo Carneiro (Coppe/UFRJ), Gilberto Velho (Museu Nacional/UFRJ), Margarida de Souza Neves (História/PUC-Rio) e Flora Süssekind (Teatro/Unirio).
As dificuldades orçamentárias marcam o cenário desse período. Desde o início dos anos 1990, a crise econômica e a falta de recursos nas universidades transformaram modos eficazes de divulgação da produção científica — como congressos, seminários e palestras abertos ao público em geral — em canais modestos e poucos abrangentes.
É em março de 1995 que chego à Editora UFRJ e, no mesmo dia, Helô me passaria duas tarefas importantes: representar a editora na reunião anual da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (ABEU) e preparar o estande da editora na XII Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que ocorreria em agosto daquele ano. Mas o que seria uma tarefa considerada simples vinha com um detalhe importante: “Fernandinha, quero uma múmia do Museu Nacional no nosso estande”. Dali para frente, foram quatro meses em que eu sonhava — e tinha pesadelos — com a múmia.
Organizamos também, em 1995, o lançamento do livro Educação não é privilégio, de Anísio Teixeira, durante a exposição sobre a vida do grande educador baiano no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. O evento foi o ponto zero da Coleção Anísio Teixeira, já que a família de Anísio confiou à Helô a reedição da obra completa do educador. A presença do presidente da República, do ministro da Educação, da família de Anísio Teixeira, das autoridades locais e da UFRJ marcou a importância da obra e do projeto para a Editora da UFRJ — e para a própria universidade — no cenário nacional.

Entretanto, por um recurso judicial, a área retorna à ASCB, em disputa que só é completamente encerrada em 2010, com a decisão do Supremo Tribunal Federal em reconhecer a validade do Decreto-lei nº 233/1967, segundo o qual todo o terreno — inclusive o do Canecão — pertence à UFRJ (CONJUR, 2010).
A VII Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro realizou-se de 16 e 27 de agosto, no Riocentro, junto a comemoração de 75 anos da UFRJ. Em consonância com as diretrizes aprovadas pelo Conselho Editorial, relativa à participação em eventos, a administração superior da UFRJ autorizou o pagamento da locação de estande na Bienal, o que possibilitou a comercialização de todo o catálogo.
A editora ocupou, então, um espaço de 30m² e colocou em exposição uma peça rara do acervo do Museu Nacional da UFRJ: uma múmia pré-histórica, Chiu Chiu[3] (Figura 5), além de alguns móveis patrimoniados do Gabinete do Reitor, como as poltronas Barcelona.[4] A peça em exposição foi escolhida pelo conselho deliberativo do Museu Nacional e assegurada pelo Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj).
Conseguimos levar a múmia, fazer o seguro (somente um banco do Estado viabilizou o seguro, nenhum outro banco privado aceitou, já que a peça tinha um “valor inestimável”) e colocá-la em local seguro dentro do estande, na madrugada do dia 15 de agosto.
As crianças ficaram encantadas; os adultos, surpresos. Tivemos que fazer um corredor de segurança para que não derrubassem a múmia. As pessoas queriam tirar fotos com ela e, durante os onze dias, posso confessar: eu só pensava na múmia — em como devolvê-la sã e salva ao Museu Nacional. Helô conseguiu. Nosso estande era o mais visitado, o mais falado; a alegria de todos era contagiante.
Naquela semana da Bienal, o Rio de Janeiro foi atingido por fortes chuvas que alagaram parte do Museu Nacional, exatamente no setor onde as múmias estavam expostas ao público. O fato de a múmia Chiu Chiu (Figura 5) estar em exposição na Bienal do Livro, cedida à Editora UFRJ, e ter se salvado da enchente, foi amplamente noticiado pela imprensa nacional, resultando em uma maior visibilidade para o estande da Editora UFRJ — e para a própria universidade — no cenário editorial, acadêmico e científico. Saímos do Riocentro escoltados pela polícia militar e perseguidos pela imprensa até o retorno da múmia ao Museu Nacional. Após a devolução, dormi por 24 horas seguidas.
Trabalhar com a Helô era assim: todos os dias, uma grande emoção, as ideias surgiam a todo instante. Ela fazia a gente pensar, ousar, não temer. Enxergava na gente algo que nem nós mesmas enxergávamos. Ela ensinava e aprendia e, mais que tudo, valorizava o trabalho de quem estava ao lado. Te elogiava, te colocava para cima, e criava um espaço onde todos pudessem brilhar — e, discretamente, se recolhia. Abria espaço, mas a gente queria sempre que ela estivesse junto.

A Editora UFRJ, a partir daquele ano, passou a participar ativamente, com estande próprio, das Bienais do Livro do Rio de Janeiro e de São Paulo, e iniciou também uma participação contínua em eventos acadêmicos e científicos, com presença nos encontros anuais da Associação Nacional de Programas de Pós-graduação de: Educação (ANPEd), Ciências Sociais (Anpocs), Filosofia (Anpof) e História (Anpuh), assim como na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Helô, com o apoio do Conselho Editorial, passou a investir na tradução de livros de autores latino-americanos, como os argentinos Néstor Garcia Canclini[5] (Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização) e Beatriz Sarlo[6] (Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina), além do antropólogo Jésus Martin Barbero[7], nascido na Espanha e radicado na Colômbia (Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia).
Helô viria a declarar que “a publicação de autores latino-americanos faria acontecer um debate na academia e fora dela” e que o foco em estudos culturais insistiria numa “articulação entre a academia e a sociedade” (BOTELHO et al., 2019, p. 40). De fato, esses autores continuam a constituir a bibliografia de diversos cursos de graduação e pós-graduação no país, e se mantêm no catálogo da Editora UFRJ.
Helô viabilizou o livro Cartas (1964-1974) – Lygia Clark/Hélio Oiticica, organizado por Luciano Figueiredo e publicado pela Editora UFRJ em 1996, e reeditado em 1998. Trata-se das correspondências trocadas pelos dois artistas — expoentes do neoconcretismo brasileiro — que foram guardadas pelas respectivas famílias, reunindo quarenta cartas escritas ao longo de uma década de intensa colaboração e amizade.
Foi o livro da Editora UFRJ que obteve o maior destaque na mídia impressa (Figura 6). Essa publicação, inclusive, serviu de inspiração para o espetáculo Exposição, contemplado no Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2012, dirigido por Cândida Monte e Gustavo Bitencourt, em parceria com o diretor e dramaturgo Dimis Jean Soares.

Atualmente, o livro encontra-se esgotado e é considerado uma raridade, com exemplares usados sendo vendidos por preços elevados em sebos online. Em março de 1998, Helô despediu-se da direção da Editora UFRJ, antes do término do mandato do reitor Paulo Alcântara Gomes, em julho daquele ano.
[…] Em 1992, 1993, e fiquei por duas gestões, a do reitor Nelson Maculan Filho e a do Paulo Gomes. Saí por um motivo interessante. Comecei a pensar em publicar a correspondência entre Hélio Oiticica e Lygia Clark. Foi um empreendimento quase impossível. A família da Lygia Clark não deixava, a do Hélio também não. Foi um ano de idas e vindas. Mas a gente fez o livro, que também teve o projeto gráfico de Luciano Figueiredo, que na época era curador do acervo Hélio Oiticica. Foi uma publicação que nasceu clássica. Do meu ponto de vista, uma contribuição absurda para a cultura brasileira. Pois bem. O livro foi lançado, deu capa em todos os jornais, no país inteiro, e o que eu ouvi foi: “Uma editora de universidade não é para fazer esse tipo de livro. Editora de universidade é para publicar aqueles professores que não conseguem publicar”. Eu falei “eu acho que eu estou no lugar errado”, fui embora e criei a Aeroplano… (Botelho; Costa; Coelho; Strozenberg, 2019, p. 41)
Os motivos de seu afastamento, registrados acima, ilustram um debate que ainda permeia o universo editorial universitário: qual o perfil e o viés editorial que as editoras universitárias deveriam assumir?
Recentemente, quando a Editora UFRJ, sob a direção de Marcelo Jacques de Moraes, publicou o livro Hélio Oiticica: Cartas 1962-1970, idealizado por Cesar Oiticica Filho e organizado por Tania Rivera, Helô aplaudiu e me mandou mensagem: “Que bárbaro, Fernandinha, muito feliz”.
Helô teve um papel fundamental na transformação da Editora UFRJ. Como intelectual e crítica literária, atuou ativamente na modernização de sua linha editorial, ampliando o foco para além das publicações acadêmicas tradicionais.
Durante sua gestão, buscou democratizar o acesso ao conhecimento e dar espaço a temas contemporâneos, aproximando a universidade da sociedade e tornando a editora mais relevante no debate público.
Aquela minha primeira tarefa de representar a Editora UFRJ na reunião da ABEU, me levou a participar da direção da entidade por duas vezes, garantindo sempre a presença da UFRJ no cenário editorial universitário.
Ao sair da editora, me disse “Gostaria que você fosse comigo, mas não posso fazer isso com a editora…” Ela sabia que eu amava estar ali — e ali estou até hoje.
Nunca perdemos contato. Às vezes eu recebia um whatsapp dela, “Deu uma vontade grande de te ver… faço o quê?” ou ainda “Querida, fiz um Lab da Palavra na Letras que está bombando… Acho um crime, um absurdo, um escândalo que eu não tenha ainda proposto uma articulação sensacional com a editora, que vai morar, assim como você, para sempre no meu coração. Estou fazendo também um Fórum Mulheres na UFRJ em que preciso de você! Marcamos?”
Tenho muita gratidão e respeito pela Helô. Com ela, descobri o que ela viu ali em 1990, naquela escada da Escola de Comunicação. Vou sentir muita saudade. Ela irá, para sempre, morar no meu coração.
